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Entrevista com Kobayashi Yasuo: Aikido para Todos

Interessante entrevista com Yasuo Kobayashi, aikidoka detentor do 8º Dan da Aikikai, na qual se pode apreciar seu comprometimento, seu elevado bom-humor e, sobretudo, sua rica e larga experiência nesta arte marcial, iniciada na década de 1950.

por Guillaume Erard


Tradução para o português brasileiro com autorização do autor. As imagens constam da publicação original. A publicação original em inglês está no seguinte endereço:

https://www.guillaumeerard.com/aikido/interviews/interview-with-kobayashi-yasuo-shihan




Kobayashi Yasuo Shihan detém a graduação de 8º dan da Aikikai. Ele tornou-se aluno do Aikikai Hombu Dojo em 1955, onde estudou, entre outros, com o fundador do Aikido, Ueshiba Morihei. Kobayashi Sensei é o líder dos Dojos Aikido Kobayashi, um dos maiores grupos de Aikido no Japão, com mais de 120 dojos e representantes ao redor do mundo [n.t.: Yasuo Kobayashi foi o professor de Ichitami Shikanai hoje também detentor da graduação de 8º dan da Aikikai e que dirige um grupo no Brasil desde 1975, atualmente residindo em Belo Horizonte - MG).

Guillaume ErardComo você começou no Aikido?

Kobayashi Yasuo: Eu constumava praticar Judô regularmente no Kodokan. Minha casa ficava em frente ao Santuário Yasukuni, no distrito de Chiyoda, então era muito perto de Suidobashi, onde ficava o Kodokan. Então comecei a ir lá quando era criança.

Quando estava no ensino médio, tornei-me amigo do filho do falecido Sr. Danzaki, presidente da Federação de Iaido. Ele também havia sido lutador de sumô e me contou que alguém chamado Ueshiba conseguia derrubar Tenryu, um lutador de sumô que costumava frequentar seu Hombu Dojo.




Murashige Aritomo, Tenryu, e Ueshiba Morihei em Manchukuo (c. 1941)

Então, através dessa conexão, fui apresentado e convidado a visitar o Dojo, acho que era por volta das 5 ou 6 da tarde. O Sensei Tada estava ensinando, ele era 3º Dan na época, e havia 5 ou 6 pessoas treinando. Ainda era a época em que refugiados da guerra viviam no Dojo, cerca de um terço da área do Dojo servia como alojamento para eles. O Aikido não era bem conhecido. Isso se deu durante o outono do meu último ano do ensino médio. Quando estava prestes a sair, o Sensei Tada me disse para me juntar ao Dojo se eu tivesse gostado do que vi. Então, eventualmente, fiz isso no final de abril, depois de começar a universidade. Foi assim que conheci o Aikido.


Tada Hiroshi demonstrando com Kobayashi Yasuo

Guillaume Erard: Aikido e Daito-ryu não eram bem conhecidos na época...

Kobayashi Yasuo: A maioria das pessoas não sabia de coisas como koryu jujutsu, no entanto, o jukendo e o Karate eram amplamente conhecidos. A luta livre ocidental também era popular, mas o koryu jujutsu não era uma coisa difundida naquela época. O Aikido também não era conhecido.

Eu entrei no dojo em abril de 1955, e o Aikido foi mostrado pela primeira vez ao público em setembro do mesmo ano no telhado da loja de departamentos Takashimaya. Eu era um recém-chegado aos treinos na época, então apenas ajudei a carregar os tatames, mas foi a primeira vez que o Aikido foi apresentado ao público.

Guillaume Erard: Isoyama Sensei me disse que o termo "Daito-ryu Aiki-jujutsu", não "Aikido", estava escrito em seus documentos de registro em Iwama. O que estava escrito nos documentos de registro Tóquio?

Kobayashi Yasuo: No Hombu Dojo, as pessoas se registravam da mesma forma que fazem agora. Eles não mantinham registros.

Guillaume Erard: Quem estava ensinando no Hombu Dojo na época?

Kobayashi Yasuo: Em 1955, geralmente havia de 5 a 10 pessoas durante as aulas no Hombu Dojo. O Sensei Kisshomaru ainda trabalhava em uma empresa de segurança. O Sensei Tada era o professor substituto. Dois anos depois, por volta de 1957, o Sensei Kisshomaru começou a se dedicar ao Aikido em tempo integral. Começamos a ter mais sessões de treinamento depois disso. A prática costumava ser de manhã, às 6h30, e também durante as noites. Adotamos o atual cronograma de 5 classes de aula após o Sensei Kisshomaru deixar o emprego.

Estudantes e instrutores do Hombu Dojo (c. 1961)

Guillaume Erard: O que o fez decidir se tornar um uchi deshi (aluno que tinha residência no próprio Dojo) no Hombu?

Kobayashi Yasuo: Como eu disse, eu estava fazendo judô. O Kodokan era uma grande organização e não havia interações entre seus membros. O Hombu era perto da minha casa e não era assim, nós tomávamos chá antes ou depois do treino, fazíamos caligrafia juntos, saíamos para beber à noite, etc. Era interessante conviver com as pessoas.

Os uchi deshi todos vinham do interior do país, então eram diferentes e pensavam completamente diferente, mesmo com a mesma idade. Era interessante. Essa foi a principal razão pela qual saí do Kodokai e optei pelo Aikido. Interações humanas e amizade entre uchi deshi.

Guillaume Erard: Como era a vida de um estudante do Hombu Dojo?

Kobayashi Yasuo: Era caótica. (risos) Quando não havia treinamento, éramos livres para fazer qualquer coisa, como beber à noite. Claro que limpávamos e fazíamos compras, mas não havia espaço para praticar durante as horas vagas porque as pessoas ainda estavam lá, circulando. Eles faziam sumô e braço de ferro, e saíam para beber à noite, pois era perto de Shinjuku.

Instrutores e Estudantes do Hombu Dojo (c. 1957)

Tínhamos relações de senpai-kohai e aqueles que tinham dinheiro, geralmente senpais, pagavam. Quando alguns de nós recebiam dinheiro dos pais, nós saíamos para beber. (risos) Em certo momento, estávamos vivendo e comendo com o Sensei Ueshiba. Não tínhamos que nos preocupar com nada além de conseguir comida para comer.

Guillaume Erard: Como era a prática entre uchi deshi?

Kobayashi Yasuo: Era árdua porque todos eram jovens. Estávamos nos testando, dizendo que as técnicas do outro não estavam funcionando, ou que não doíam. Eu não era grande, então fazia movimentos circulares para cansar meus oponentes. Também me levantava rapidamente depois de ser jogado. Mas acho que isso era bom para o treinamento.

Guillaume Erard: Quais professores mais o influenciaram?

Kobayashi Yasuo: Diferentes professores tinham maneiras diferentes de pensar. Havia alguns aspectos que eu achava excelentes e outros com os quais eu não concordava totalmente. Esses diferentes professores me ajudaram a me tornar quem sou agora. Além disso, não havia um conjunto uniforme de técnicas. Acho que é por isso que o Aikido se desenvolveu.

Além disso, fui assistente do Koichi Tohei Sensei por mais de 10 anos, em diferentes lugares, então também fui influenciado por ele. Achei o modo de pensar dele maravilhoso. Havia uma coisa, no entanto, com a qual eu não concordava totalmente. Meus pais tinham um negócio e me ensinaram a respeitar minhas origens, por isso permaneci no Hombu. Tohei Sensei deixou o Dojo em 31 de março e levou metade dos uchi deshi, cerca de 10 deles, com ele. Eu estava sentado no escritório quando eles saíram, e o Sensei Kisshomaru olhou para mim e disse: "Oh, você ainda está aqui, Kobayashi?" Acho que ele pensou que eu também iria sair, já que era assistente do Sensei Tohei. Agradeço aos meus pais por me ensinarem que temos que respeitar nossas origens. Não consigo ajudar o Hombu Dojo em todos os aspectos porque é uma grande organização, e às vezes me meto em encrenca, mas ainda o respeito como [se fosse] minha mãe.

Koichi Tohei projetando Yasuo Kobayashi no Hombu Dojo

Guillaume Erard: Havia exames de Dan na época?

Kobayashi Yasuo: Não, não havia esse tipo de coisa, não tínhamos testes. Uma vez por ano, durante o kagamibiraki, novas promoções de Dan eram colocadas nas paredes. No entanto, quando mais pessoas vieram, estabelecemos um sistema de certificação.



Yasuo Kobayashi sendo uke de O Sensei durante uma demonstração no kagamibiraki. Na parede ao fundo estão os nomes das pessoas promovidas naquela ocasião.

Tenho uma história engraçada sobre isso na verdade. Os uchi deshi eram os que faziam os ukemi durante os testes e geralmente eram mais habilidosos. Quando não gostavam de alguém, faziam a pessoa cair de propósito, então antes do exame, as pessoas nos davam guloseimas e eu sempre esperava por isso. Outro dia enviei uma mensagem sobre esse fato para o Hombu Dojo para pedir que incluíssem essa história em seu boletim informativo, mas eles rejeitaram, dizendo que [eu] estava revelando demais, então publiquei em meu blog. Acho que [esse fato em si] não é grande coisa, mas há pessoas com ideologias diferentes no Hombu Dojo, então [às vezes algo] não pode ser publicado [no boletim informativo] se revelar muito.

Guillaume Erard: Ao longo dos anos, muitas pessoas afirmaram ser alunos de O-Sensei. O que é necessário para se considerar um aluno de O-Sensei?

Kobayashi Yasuo: Bem, era informal na minha época e acho que alguém poderia ser considerado aluno de um sensei se o respeitasse. Em termos de treinamento, há diferentes ideologias. Quanto ao tempo, não há período fixo. Algumas pessoas só o encontrariam durante seminários, especialmente no interior. O-Sensei fazia turnês pelas regiões, mas viajar não era tão conveniente quanto agora.

Costumava haver um seminário uma vez por ano em março. Tínhamos uma semana de folga do treinamento no Hombu e havia apenas o treinamento de O-Sensei. Havia professores que só vinham durante esses períodos. Então não sei, acho que é suficiente dizer que alguém era seguidor de Ueshiba [Sensei].

Guillaume Erard: Várias pessoas também afirmam ter recebido graduações de O-Sensei, mas parece às vezes isso era objeto de debate.

Kobayashi Yasuo: Bem, quando alguém fazia o que ele gostava, O Sensei dizia para essa pessoa que ela valia um 8º ou 10º dan, e ele fazia o mesmo quando ia para o interior. Sabíamos que ele estava brincando, mas algumas pessoas levavam isso a sério e vinham até aqui para obter um certificado. Quando isso acontecia, elas discutiam o caso com Kisshomaru Sensei no escritório e aqueles que foram rejeitados no escritório falavam com O-Sensei e havia uma briga. Às vezes é assim entre mim e Hiroaki. Ele pensa em termos de budo e entendo como ele gostaria de dar um reconhecimento especial quando está impressionado, mas não podemos fazer isso como uma organização.

Guillaume Erard: Com que frequência você via O-Sensei? Ele vinha frequentemente para Tóquio?

Kobayashi Yasuo: Com que frequência? Dependia do humor dele, realmente não sei. Às vezes, ele ligava de Iwama dizendo que estava doente e pedia a um dos uchi deshi para ir cuidar dele, e quando íamos lá, ele parecia completamente bem. Ainda não havia muitas pessoas em Iwama, então quando ele estava passando tempo sozinho e queria falar com alguém, ele ligava dizendo que estava doente e pedia para alguns dos uchi deshis irem e cuidarem dele por alguns dias. E quando ele ficava entediado ou tinha algum assunto, ele vinha para o Hombu Dojo. Ele não vinha muito frequentemente. Além disso, não tínhamos carros naquela época e tínhamos que usar o trem Joban para nos locomover.

Guillaume Erard: Você conheceu os pioneiros do Aikido europeu, como Mochizuki Minoru ou Abe Tadashi?

Kobayashi Yasuo: O Sensei Mochizuki Minoru era tio do amigo com quem comecei um clube de Aikido na Universidade Meiji. Ele era um ou dois anos mais novo que eu, então íamos para os acampamentos universitários juntos. Tenho uma foto disso aqui. Fizemos dois acampamentos de treinamento universitário no dojo do Sensei Mochizuki em Shizuoka. Quando o Sensei Mochizuki veio ao Hombu Dojo, ninguém mais [além de mim] o conhecia pessoalmente, então pude conversar muito com ele. O Sensei Mochizuki havia sido enviado ao Sensei Ueshiba pelo Sensei Kano. O Sensei Kano não pôde convidar o Sensei Ueshiba para o Kodokan, então ele enviou o Sensei Mochizuki. Acho que o Sensei Mochizuki tinha algumas ideias conflitantes com as do Sensei Ueshiba sobre como realizar o Aikido quando ele foi para o exterior.


Ueshiba Morihei e Mochizuki Minoru 

O Sensei Abe tinha pavio curto e facilmente se envolvia em brigas. Aparentemente, houve alguns incidentes no exterior também, então ele foi expulso da França. No dia em que ele voltou para o Hombu Dojo, eu estava lá como recepcionista, e ele me perguntou se o Sensei Tohei estava lá. Enquanto ele falava com o Sensei Tohei, de repente ele gritou "alguém me traga água!", então eu trouxe água para eles e então ele disse "Você, jogue isso no Tohei!". Eu não ousaria fazer isso, então fiquei ali assistindo, então ele pegou o copo e jogou a água no Sensei Tohei sozinho e gritou "Não consigo vencer Tohei em nada". [Nota: É provável que o Sensei Abe Tadashi estivesse chateado pelo fato de que o Sensei Koichi Tohei teve sucesso em suas atividades de Aikido no exterior enquanto ele mesmo foi enviado de volta.]

Abe Tadashi na França

O Sensei Abe tinha pavio curto e facilmente se envolvia em brigas. Aparentemente, houve alguns incidentes no exterior também, então ele foi expulso da França. No dia em que ele voltou para o Hombu Dojo, eu estava lá como recepcionista, e ele me perguntou se o Sensei Tohei estava lá. Enquanto ele falava com o Sensei Tohei, de repente ele gritou "alguém me traga água!", então eu trouxe água para eles e então ele disse "Você, jogue isso no Tohei!". Eu não ousaria fazer isso, então fiquei ali assistindo, então ele pegou o copo e jogou a água no Sensei Tohei sozinho e gritou "Não consigo vencer Tohei em nada". [Nota: É provável que o Sensei Abe Tadashi estivesse chateado pelo fato de que o Sensei Koichi Tohei teve sucesso em suas atividades de Aikido no exterior enquanto ele mesmo foi enviado de volta.]

Dito isso, é por causa desse tipo de personalidade forte que eles conseguiram ir para lugares totalmente novos e promover o Aikido. Eu os conhecia pessoalmente, embora não por tanto tempo, e os respeito como as pessoas que criaram caminhos para o novo mundo.

Guillaume Erard: Você já considerou ir para o exterior como eles ou alguns de seus colegas fizeram [isso]?

Kobayashi Yasuo: Pessoas que estavam comigo realmente foram para o exterior, como América e Europa, mas eu não fui. Gostava da prática do Aikido como [ela] era e estava apenas isso o que eu fazia.

Um dia fui chamado pelo instrutor-chefe, [Sensei] Koichi Tohei, e ele falou sobre Burma, atual Mianmar. O Sensei Yamaguchi já estava lá porque o Japão tinha causado problemas no sudeste asiático durante a Segunda Guerra Mundial, e estávamos compensando-os desde que fomos derrotados. Como parte disso, o Sensei Yamaguchi estava ficando lá por dois anos, e me perguntaram se eu iria lá como assistente.


Tada Hiroshi, André Nocquet e Yamaguchi Seigo no Hombu Dojo (c. 1957)

Eu disse: "Tanto faz" e o Sensei Tohei disse: "Tanto faz não é uma resposta!!, Você vai ou não!?" Então eu disse: “OK, eu vou”. (risos) Mas eu não queria ir, então continuei adiando ir à embaixada. Três meses depois, houve um golpe de estado, foi implantado um regime militar no país, e a partir de então pararam de convidar professores estrangeiros. Por outro lado, eles enviaram cinco soldados para o Japão para aprender Judo e Aikido e eu fiquei encarregado de cuidar deles. Talvez eu estivesse destinado a ficar no Japão para praticar.

Eu gostava da prática em si. Na verdade, nunca pensei em ensinar antes de abrir o dojo. Agora que penso a respeito disso, tudo transcorreu bem neste ponto e temos este lugar para comunicação.

Para ser honesto, a maioria das pessoas que foi para o exterior não havia treinado por tanto tempo. Eles foram para o exterior quando tinham uns 30 anos, então tinham treinado apenas por cerca de 10 anos, no máximo. Considerando o fato de que promoveram tanto o aikido, devem ter tido algum treinamento intenso em um período tão curto. Acho que isso foi possível graças ao talento de todos.

Ueshiba Kishomaru com alguns dos instrutores japoneses enviados para fora do Japão

Curiosamente, eles desenvolveram diferentes características de acordo com o país para o qual foram. Os que foram para a França eram mais sociais e os que foram para a Alemanha, como o Asai, gostavam de ordem. Os que foram para um país em que não se adequaram ou foram rejeitados e voltaram, ou foram para outro lugar. Portanto, os shihans que permaneceram lá, e há muitos deles, são os que puderam se adaptar ao país ou ao lugar para o qual foram, mas também há muitos que não conseguiram se ajustar e que voltaram.

Kobayashi Yasuo: O Sr. Nocquet foi o primeiro estrangeiro a se tornar um uchi deshi. Ele comia e dormia no dojo conosco. Ele era muito mais velho que nós, acho que tinha mais de 40 anos na época. Ele era admirável, trabalhou duro por 2 anos. Foi em uma época em que não tínhamos muitos estrangeiros no Japão, mas ele ficou conosco no dojo por dois anos.


André Nocquet e Kobayashi Yasuo

Guillaume Erard: Há um debate em andamento sobre de quem o Sr. Nocquet recebeu mais instrução. Seus alunos dizem que foi de O-Sensei, mas há quem considere isso improvável.

Kobayashi Yasuo: Bem, ele tinha diferentes senseis. O Sr. Tohei foi do Havaí para o continente americano e provavelmente por isso, ele era bom em explicar as coisas de maneira simples. E ele também foi o que inventou o aikitaiso baseado em ikkyo, nikyo, bem como shiho undo e todas essas coisas. Quando ele estava ensinando policiais e soldados no Havaí, ele ensinava com exercícios assim porque eles não conheciam aikido e não entenderiam apenas explicando em palavras. Dessa forma, eles lembravam mais rapidamente, usando passos como um, dois e três.

André Nocquet e Tohei Koichi no Hombu Dojo

[A metodologia de Tohei Sensei] era fácil de entender e ele era bom em explicar Ki também. Acho que isso influenciou muito o Nocquet. [Nota: Desde minha reunião com o Shihan Kobayashi, tive acesso ao diário pessoal de André Nocquet no Japão, e as entradas confirmam a avaliação do Sensei Kobayashi. A maioria das aulas relatadas no diário são as de Tohei Koichi, Ueshiba Kisshomaru e O-Sensei, em ordem respectiva de ocorrência.] O-Sensei, por outro lado, não tinha realmente um kata, uma forma definida. Era como se ikkyo, nikyo e kokyunage fossem todos iguais. Acho que esses estilos influenciaram o Nocquet. Todos nós fomos muito influenciados.


André Nocquet demonstrando com Kobayashi Yasuo na cobertura da loja de departamentos Toyoko em Shibuya (1957). A dedicatória é de Nocquet para Kobayashi.

Guillaume Erard: Pelo que entendo, que Nocquet deixou o Japão com um certificado como representante do aikikai para a Europa. No entanto, alguns instrutores japoneses como Noro Masamichi, Nakazono Masahiro, Tamura Nobuyoshi, também foram posteriormente enviados para a França e parece . ter havido algum grau de desentendimento, ao menos por algum tempo, entre Nocquet e o Hombu Dojo. Você sabe algo sobre isso?

Kobayashi Yasuo: Bem, não foi como se ele tivesse sido desconsiderado ou excluído da Aikikai, mas os Senseis Tamura, Noro e Nocquet foram para a França e houve algum grau de conflito territorial. Uma coisa é abrir um Dojo [onde não há nenhum], outra coisa é abri-lo quando já há outro por perto.

Dias de amizade - da esquerda para a direita: Tamura Nobuyoshi, Noro Masamichi, Ueshiba 
Kishomaru, Tohei Koichi, Saito Morihiro e André Nocquet

O Aikido era, então, algo raro e as pessas queriam ter seus territórios respeitados. É como se alguém tivesse um Dojo em Saitama e buscasse ter a exclusividade do Aikido sobre todo este território. Hoje o Aikido é popular e ninguém se opõe a que haja muitos grupos na mesma área. Em resumo, penso que foi isso o que houve, uma luta por território, mas não quero com isso dizer que alguém tivesse má intenção.

Guillaume Erard: O Aikido de O-Sensei mudou muito durante o tempo em que você conviveu com ele?

Kobayashi Yasuo: Quando eu me juntei [ao Aikido] Ueshiba Sensei já estava com cerca de 70 [anos] e ele ainda era muito forte e fazia muitas técnicas de imobilização. Nós constumávamos fazer muito esse tipo de coisa quando eu comecei a praticar, mas O-Sensei começou a mudar. Quando ele foi ficando mais velho, ele começou a fazer mais movimentos circulares. No Hombu Dojo, Kishomaru Sensei começou a seguir essa mudança na técnica. Pouco a pouco, os uchi deshi da épouca como Arikawa Sensei, Yamaguchi Sensei e Tada Sensei... espere um instante, Tada Sensei não estava vivendo no Dojo... Bom, de qualquer modo eles todos tinham estilos diferentes. Saito Sensei, de Iwama, também começou a vir ensinar aos domingos, e não havia regras fixas.

Kishomaru Sensei seguiu [nesse caminho] e preservou o estilo em mudança de O-Sensei. Naquele tempo, havia também professores com estilos únicos, como Koichi Tohei Sensei.

Assim, muitas pessoas praticavam com determinados professores conforme gostassem do estilo deles. Eu e outros uchi deshi tínhamos que tentar seguir todos eles e com isso nos tornamos muito bons em “imitar” [as particularidades de cada um]. Nós não tínhamos regras sobre [como realizar] determinado waza [técnica] e penso que foi isso que fez do Aikido algo tão popular.

Guillaume Erard: Interessante, quando se observa a demonstração que O Sensei fez no prédio do Jornal Asahi em Osaka em 1935, ele utiliza apenas seus alunos de Tóquio, mesmo que seus alunos de Osaka como Hisa Takuma e Nakatsu Heizaburo estivessem presentes, e as técnicas que ele mostra são bastante diferentes daquelas que sabemos que eram praticadas em Osaka, onde O-Sensei foi contratado para ensinar o Daito-ryu Aiki-jujutsu. Isso me levou a hipotetizar que poderia haver práticas diferentes em Osaka e Tóquio, sendo que a primeira seria mais próxima do Daito-ryu Aiki-jujutsu tradicional, e a segunda seria mais uma evolução de suas técnicas, algo mais próximo do Aikido desenvolvido posteriormente por ele. Qual é a sua opinião sobre isso?

Kobayashi Yasuo: Eu não acredito que isso seja verdade. As pessoas não conseguem se mover suavemente assim imediatamente, então, se você vai para novos lugares, pode ensinar mais um método tradicional e básico de treinamento do que algo mais fluido. Havia muitas pessoas indo e vindo do Hombu Dojo e as técnicas gradualmente mudavam. Então, acho que é apenas uma questão de você olhar para [como] certas demonstrações [mostram algo] diferente das aulas regulares.

Guillaume Erard: Já que estamos falando sobre demonstrações, sempre fico intrigado com as exibições surpreendentes mostradas em algumas fotos de O Sensei, como aquela em que ele segura um bastão a 90 graus em relação aos seus alunos empurrando contra ele.

Kobayashi Yasuo: Esta foto foi tirada em um piscar de olhos. Parece assim na imagem, mas na verdade não é 90 graus na vida real. É uma questão de ângulo, e não é por muito tempo, mais como um segundo. Pare por um momento e deixe cair assim. Todos se perguntam como é feito, mas teoricamente, se você estiver fazendo 90 graus, não conseguirá. Acho que era uma questão de ângulo da foto [ou seja, de perspectiva].

Ueshiba Morihei com Kobayashi Yasuo e Chiba Kazuo

Na verdade, você também vê aquelas [fotos] em que ele está deixando alguém empurrar sua cabeça enquanto está sentado, certo? A verdade é que você não conseguia empurrar porque estava muito escorregadio, então mesmo três pessoas juntas não conseguiriam fazer [isso]. Todos sempre se perguntam como, mas para mim, que estava realmente fazendo esse tipo de coisa porque O-Sensei me disse para fazê-lo, não era nada surpreendente.

Demonstração de O Sensei

Esse tipo de coisa se torna uma lenda e isso é algo [quase] absurdo. Eu sei, contudo, que deixo as pessoas irritadas quando digo isso. (risos)

Guillaume Erard: Você escreveu em seu livro que O Sensei não fazia muitas técnicas de kokyunage.

Kobayashi Yasuo: Bem, kokyunage... Sempre que Ueshiba Sensei estava por perto, nós fazíamos suwari waza porque isso o deixaria feliz, mas no final isso tornava a prática tediosa porque era baseada em imobilizações como ikkyo, nikyo e assim por diante. Então começamos a incorporar kokyu nage para adicionar mais variedade nas lições de ukemi e nas de treino de fortalecimento.

Isso o deixava irritado, porém. Ele gritava: "Como você será capaz de jogar as pessoas praticando isso?" Mas, mesmo assim, acho que isso se tornou uma maneira popular de praticar, especialmente entre os jovens. Era mais divertido também. Tenho certeza de que praticávamos técnicas como ikkyo, nikyo, sankyo, shihonage e kotegaeshi, mas os jovens continuaram fazendo [técnicas de kokyunage] e isso se tornou comum, apesar do que os professores ensinavam.

Preciso registrar que Kisshomaru Sensei não se opunha a isso. Meus superiores como Yamaguchi Sensei também estavam fazendo esse tipo de técnica.

Guillaume Erard: Como a técnica do O Sensei se comparava à dos outros?

Kobayashi Yasuo: Bem, as pessoas do Budo inicialmente tinham corpos fortes e bem treinados. Na minha época, era mais como um fluxo do que agarrar-se firmemente um ao outro. Naquela época, mesmo com 70 anos, ele ainda era forte e quando tentávamos resistir, ele nos lançava com força, então fluíamos juntos. Algumas pessoas que apenas observavam entendiam como algum tipo de técnica de kokyu-ho e começavam a imitar, mas ele tinha uma maneira completamente diferente de se mover. Ele estava bem treinado. É problemático quando as pessoas tentam imitar mesmo não estando bem treinadas. Alguns Aikidokas frequentemente desconsideram o treinamento físico, alguns instrutores até têm corpos muito relaxados e fora de forma.

Guillaume Erard: Como era o corpo do O Sensei?

Kobayashi Yasuo: Bem, à noite, às vezes eu tinha que massagear o corpo dele. Eu estava massageando os músculos e ele costumava me dizer que eu estava fazendo muito suavemente. Seu corpo estava bem treinado para essa idade, lembro-me que era difícil massagear seus músculos.

Ueshiba Morihei possuía um corpo musculoso e bem condicionado apesar da idade

Guillaume Erard: As pessoas hoje em dia falam muito sobre treinamento interno. O Sensei estudou essas habilidades?

Kobayashi Yasuo: O Sensei fazia diferentes tipos de treinamento, como ficar em uma montanha, quando explorava Hokkaido, e algumas formas de treinamento religioso, da Omoto-kyo, com o Sensei Onisaburo Deguchi. Zazen geralmente é praticado comumente nesses ambientes. Acho que foi assim que ele se treinou.

Guillaume Erard: Isso fazia parte do que ele ensinava?

Kobayashi Yasuo: Bem, sim, ele costumava fazer coisas como torifune, "he-ho, he-ho", além de chinkon e coisas com uma espada, alguns exercícios de Ki. Ele relacionava isso às histórias sobre os Deuses. Pessoalmente, eu não gostava muito desse tipo de histórias, então eu torcia para que [ele] acabasse logo. Mas havia uma variedade de pessoas que eram meio que missionárias e que vinham [aos treinos]. Quando eu estava lá, havia alguns veteranos do budo, e também aqueles que estavam fazendo algumas práticas de saúde como nishishiki ou dietas de arroz integral. Acho que Yamaguchi Sensei fez algo nesse sentido. Por exemplo, pessoas que eram membros da Tenpukai [n.t.: organização criada por Tenpu Nakamura para difundir seu método de unificar mente e corpo conhecido popularmente como yoga japonesa]. Então, pessoas comuns começaram a vir. Acho que foi por volta de 1965. Havia mais alunos também.

Guillaume Erard: Você sabe sobre a experiência de treinamento com armas do O Sensei?

Kobayashi Yasuo: Não sei sobre isso porque aconteceu no passado dele e eu não pesquisei.

Guillaume Erard: É verdade que O-Sensei não ensinava armas no Hombu Dojo?

Kobayashi Yasuo: Não, não é verdade, tenho fotos para provar. O-Sensei costumava mudar as kata dependendo de como ele se sentia naquele dia e o Saito Sensei, de Iwama, formalizou isso. Ele costumava ensinar no Hombu aos domingos ou quando tinha folgas do seu trabalho na Japanese National Railways. Ele sempre ensinava no Hombu Dojo então. Ao contrário de muitos outros professores, eu apenas sigo o básico que Saito Sensei ensinou sem adicionar coisas desnecessárias como Katori ou outros [tipos de técnicas].

O Sensei ministrando aula com bastão na Hombu Dojo

Guillaume Erard: Não há aulas de armas no Hombu hoje em dia, certo?

Kobayashi Yasuo: Dizem que os movimentos do Aikido vêm da espada, então acho que é melhor praticá-la, teoricamente. Acho estranho eliminar essas técnicas.

Guillaume Erard: Você ensina armas?

Kobayashi Yasuo: Eu prefiro técnicas desarmadas. Com um jo, posso derrotar amadores, mas nunca faço isso na frente de verdadeiros Budokas. Então, não mostro em demonstrações, embora faça no Dojo. Nunca usei jo ou bokken em demonstrações importantes, apenas técnicas desarmadas. Gosto de técnicas desarmadas, mas incorporo armas na prática porque acho necessário, mas não gosto muito, sou ruim nisso. Busco não ser criticado ou fazer algo considerado inadequado a partir do ponto de vista dos outros Budokas [especializados no uso de armas]. Não faço isso em eventos mais formais, como seminários ou demonstrações. Algumas pessoas usam uma espada nas demonstrações do All Japan, mas eu nunca faço tal coisa.


Guillaume Erard: Você frequentou a Ichikukai e a Tempukai não foi?

Kobayashi Yasuo: No Ichikukai {n.t.: Dojo destinado à prática de exercícios de purificação espiritual e meditação Zen], fiz algum treinamento de misogi em seiza e algum tanren intenso. Fiz isso por um curto período de tempo. Fazíamos das 5h às 19h, exceto durante as refeições. Acendíamos um senko e nos sentávamos nessa postura por três dias. Se alguém se mexesse, levaria um tapa nas costas ou nos joelhos. É intenso, mas útil para treinar o âmago de um ser humano. Na Tenpukai, liderada por Tenpu Nakamura Sensei, era ensinado que as pessoas deveriam assumir o comando e pensar ativamente em suas vidas. Acho isso útil em momentos em que você precisa tomar uma decisão. Acho que essa maneira de pensar também me ajudou a expandir os Dojos Kobayashi.

Guillaume Erard: Vamos focar nas teorias por trás do Aikido de O-Sensei. Você entendia as referências religiosas dele?

Kobayashi Yasuo: Bem, eu não sabia muito sobre coisas como o Kojiki [n.t.: livro mais antigo sobre a história do Japão, com canções em japonês arcaico], esse era o problema. Eu sempre estava ansioso para que ele terminasse. Havia algumas pessoas que sabiam sobre essas coisas religiosas, mas eu não, então eu apenas me concentrei em treinar. Eu não conseguia lembrar os nomes de todos esses deuses. Faço Aikido com o slogan: "Aikido para o maior número possível de pessoas".

Guillaume Erard: Você mencionou anteriormente que o Aikido nunca foi demonstrado ao público até o final da vida do O Sensei. Ele parece ter sido bastante reservado sobre sua arte. É razoável supor que ele possa não ter mostrado sua técnica real durante essas demonstrações públicas?

Kobayashi Yasuo: Não, as aulas e as demonstrações eram exatamente iguais. No palco, ele simplesmente fazia o que fazia durante as lições, não fazia nada diferente. Pode parecer diferente de longe, no entanto. Ele costumava dar palestras durante as demonstrações também. Nossas pernas ficavam dormentes se ele falasse por muito tempo. Mas durante as demonstrações, o tempo era limitado, então era melhor. Durante as aulas, às vezes ele falava por uma hora, mas ele não podia fazer isso durante as demonstrações. Era apenas um pouco de conversa e um pouco de performance.

Embora ele fizesse exatamente a mesma coisa, o público poderia olhar de maneira diferente se não estivessem acostumados a vê-lo com frequência.

Guillaume Erard: O Aikido de hoje é muito diferente em comparação com quando você começou?

Kobayashi Yasuo: Não é fundamentalmente diferente, mas havia menos técnicas. Era centrado nas técnicas de imobilização. Bem, todo mundo gosta de comparar, mas eu apenas faço o básico, e pessoalmente, eu apenas faço o básico, e não acho que seja diferente.

Os professores têm estilos diferentes e é o mesmo no Hombu [Dojo], certo? Há muitos professores diferentes e Moriteru [Ueshiba] Sensei ensina os fundamentos. No entanto, em nossos Dojos Kobayashi, as coisas são mais uniformes. Acho que há algo bom nisso, porque [essa abordagem] está se espalhando pelo mundo. Muitas pessoas gostam do estilo ensinado no Dojo Kobayashi. Às vezes, me surpreendo ao encontrar Dojos Kobayashi em alguns países desconhecidos, abertos por alguns de nossos alunos.

Guillaume Erard: Por quanto tempo você ficou no Hombu Dojo?

Kobayashi Yasuo: Comecei em 1955 e continuei treinando lá até 1972.

Guillaume Erard: Por que você saiu do Hombu Dojo?

Kobayashi Yasuo: Quando construímos o dojo em Kodaira, aqui, eu ainda era ao mesmo tempo instrutor no Hombu Dojo. Naquela época, não havia muitos instrutores que tinham seu próprio dojo. Eu ensinaria aqui quando não tivesse que ensinar lá. Quando abri o dojo em Tokorozawa, o Sensei Kisshomaru me chamou e disse para me concentrar nos dois dojos. Eu não queria sair do meu emprego no Hombu Dojo, mas decidi me concentrar nos meus dojos como me foi dito. Acho que foi uma boa decisão afinal. Eu posso fazer as coisas livremente. Sim, acho que foi bom.



Construção do primeiro Dojo Kobayashi em Kodaira

Guillaume Erard: Como você começou a ensinar em seu próprio dojo?

Kobayashi Yasuo: Bem, pensei nisso em algum momento, se eu deveria abrir um Dojo e seguir meu caminho como Budoka, e se isso se tornaria popular dessa maneira. Mas pensei nisso por conta própria, como sempre faço, e abri um dojo aqui para oferecer um lugar para a prática para aqueles estudantes que estavam com problemas em sua escola. [Nota: Naquela época, as universidades estavam fechadas por causa dos protestos dos estudantes.] Então, convidei esses alunos e havia de 10 a 20 pessoas comendo e vivendo por aqui.

Como havia necessidade de financiamento, algumas pessoas se juntaram para cuidar disso e foi o começo do Dojo Kobayashi. Desde então, tivemos mais pessoas, e apenas fazemos o que fazemos. Não dou palestras e não explico nada sobre como fazer as técnicas. Curiosamente, [minha abordagem] ainda se espalha, não é? É um pouco assim também no exterior. Mas ainda se espalha, então acho que o que faço não está errado.

Guillaume Erard: Como as coisas cresceram a partir daí?

Kobayashi Yasuo: Eu e meu filho Hiroaki começamos e alguns alunos começaram a vir. Sou grato pelo fato de que algumas pessoas construíram um Dojo e nos deixaram usá-lo, ou tinham algum terreno e nos permitiram construir um Dojo nele. Havia cinco ou seis dessas pessoas. Acho que foi porque eu estava treinando Aikido com afinco e eles gostaram de mim. Então, havia cinco a seis pessoas e a partir daí, foi assim que tudo cresceu.

A estudante de longa data de Kobayashi Sensei Matsuoka Hiromi sendo promovida ao 4º Dan

Nós dois estávamos ensinando em Kodaira e Tokorozawa, quartas e sextas-feiras aqui e terças e quintas-feiras lá, assim. Mas por causa dessas pessoas, tivemos uchi deshi como o Igarashi vindo. Então deu certo e se espalhou graças a essas pessoas que fizeram doações, bem como por aquelas pessoas que pararam de trabalhar para se tornarem em alguma medida meus uchi deshi.

Os membros do Dojo Kobayashi são os únicos a fazerem exames no Hombu Dojo. Eu sempre tento coisas novas no Aikido. Você conhece os Voluntários de Cooperação no Exterior do Japão [n.t.: entidade existente no país que busca promover o desenvolvimento sustentável, com a redução da desigualdade e sem causar danos ao meio ambiente], certo? O Dojo Kobayashi foi o primeiro a fazer isso. Não falo apenas sobre os ideais, eu os promovo através de trabalho duro. Também estabelecemos um sistema de apoio financeiro. Convidamos aqueles que enfrentam desafios financeiros para o Dojo Kobayashi. Sim, fazemos muitas coisas novas assim.

Guillaume Erard: Em quantos países existem Dojos Kobayashi?

Kobayashi Yasuo: Acho que são cerca de 40 ou mais? Não está escrito em nenhum lugar, não anotei ultimamente. Acho que cerca de 40 vieram para o meu 80º aniversário. Acho que são mais de 50 países no total.

Guillaume Erard: Você mencionou exames de graduação, como você os conduz em uma organização tão grande?

Kobayashi Yasuo: Havia um sistema de Dan quando abri meus dojos e cada dojo os realizava por si só. Fazíamos o que fazíamos aqui, Tokorozawa fazia os seus, e também Hachioji. Não havia muitas pessoas, certo? Nós mesmos os ensinávamos diariamente, então quando não se saíam bem durante o exame, nós dizíamos: "você não pôde fazer isso hoje, mas geralmente consegue, então está tudo bem".

Conforme havia mais instrutores, as coisas se tornavam diferentes por região. Quando havia poucas pessoas, deixávamos todos passarem porque nos sentíamos mal em reprová-los. E havia diferenças entre o shodan do Dojo Igarashi e o shodan do Dojo Horikoshi, e as pessoas começaram a compará-los. Então, um dia, chamei todos para o Hombu Dojo. Pedi-lhes para se apresentarem na minha frente e reprovo metade deles. Então muitos falharam, certo? Aqueles que ensinavam em dojos regionais reclamaram e me culparam por prejudicar sua reputação e disseram que deixariam o Dojo Kobayashi. E eu disse tudo bem, tudo bem. Então, na próxima ocasião, reprovei metade deles novamente. Mas na verdade foi uma boa decisão. As pessoas passaram a considerar que estávamos levando a sério. Tivemos mais pessoas vindo e isso só aumentou. É bom que os tenhamos reprovado em vez de aprová-los. Aqueles que saem vão sair de qualquer maneira. De qualquer forma, pensei que poderíamos sempre recomeçar, meu filho Hiroaki e eu, como fizemos antes. Mas acho que as pessoas ficaram realmente impressionadas com isso. Na segunda vez, todos discordaram novamente de reprovar metade deles, mas eu disse que essas pessoas não poderiam passar e que nem estavam perto [da aprovação]. Apesar disso, ninguém acabou saindo. O mundo é interessante. (risos) Bem, se você falhar, pode começar de novo.

Guillaume Erard: O que você acha do envelhecimento da população de Aikido?

Kobayashi Yasuo: Pode não ser atraente para os jovens porque não há competições. Eles querem disputas onde os fortes ganham, tipo ganhar ou perder. Mas depois de um tempo, as pessoas vão parar de se importar com coisas assim e começarão a fazer Aikido.

Bem, na minha época, o Aikido era raro, mas agora é estamos na era da tecnologia da informação e há [acesso a] muitas coisas. Jujutsu é bastante popular na América e na Europa, certo? O Aikido também é uma das ondas. Aqueles que gostam desse tipo de coisa se reúnem naturalmente, então acho que não precisamos nos preocupar muito.

Bem, é verdade, os jovens não estão muito interessados, a população está diminuindo também. Na América e na Europa, geralmente são pessoas mais velhas, você vê pessoas idosas nos seminários também. Bem, acho que isso também está bem. Os jovens estão fazendo outras coisas, como malhar, mas acho que eles se interessarão e começarão a se juntar a nós. Se preocupar com isso não vai ajudar de qualquer maneira.

Guillaume Erard: Qual é a sua esperança de longo prazo para o Kobayashi Dojo?

Kobayashi Yasuo: No futuro, quero que cada vez mais pessoas se tenham sucesso e aproveitem os benefícios da prática, e também que possam falar sobre o que quiserem, como hoje.

Yasuo Kobayashi apresentando seus arquivos fotográficos a Guillaume Erard

Há diferentes níveis; existem pessoas que fazem isso há 30 ou 40 anos e há completos iniciantes. Então, eu digo algo a cada um pessoalmente, mas não demonstro [apenas] na frente deles. Eles podem fazer sozinhos e os senpais também podem ensiná-los. É assim também no exterior, um estilo de ensino semelhante. Não explico as coisas. Algumas pessoas me perguntam se vou explicar, mas eu digo a elas que é autoexplicativo. Então não preciso de um intérprete. E todos aproveitam, e acho que isso é o que importa. Então, acho que será ainda mais popular.

Tudo é uma questão de comunicação. Não é mais como Senseis indo lá e ensinando. Se você quiser vir, vem e todos aprendem uns com os outros. Há muitos Senseis de 7º ou 8º Dan no exterior também. E nós, especialmente os mais jovens, vamos e voltamos, para aproveitar. Como o Sensei Ueshiba disse: "Aikido é divertido".

No final, se você segurar aqui em vez de aqui, um kotegaeshi ainda será kotegaeshi de qualquer maneira. Só teríamos um problema se você começasse a chamar [um kotegaeshi] de shihonage. (risos) De qualquer forma, acho que as coisas estão bem do jeito que são. Essa é minha ideologia. Algumas pessoas podem criticar, mas como está se tornando mais popular, não acho que esteja errado.

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